22 de novembro de 2022

Artigo*: “Professor/Professora: intelectual ou operário/a da Educação?”

Por: Professor Luiz Marcos da Silva*

 

   Foto: Thiago Ataíde / Agência Alagoas

Não é necessário dizer que nos últimos quatro anos nosso país viu surgir uma onda de desinformação, de negação da Ciência e do império da mentira: as famosas fake News. Na esteira desta onda, até mesmo alguns comportamentos históricos mudaram. Alunos, antes muito tímidos para debater nas aulas, se sentiram com autoridade para contestar ideias científicas seculares – inclusive a esfericidade do planeta Terra. Tornou-se comum, também, alunos discordarem de seus professores se estes ensinam algo que destoa da base ideológica da extrema direita. A contestação não vem acompanhada de argumentos válidos e racionais, mas, debaixo de acusações de tentativa de “doutrinação” – usando o termo favorito do Projeto Escola Sem Partido, declarado inconstitucional pelo STF – Supremo Tribunal Federal – ou de ensino ideológico.

Todavia, mesmo antes deste período, uma questão candente no campo da educação sempre foi o dilema vivido pelos professores em suas rotinas diárias. Afinal, qual é a natureza do trabalho do/a professor/a? Ele/a é um/a operador/a de um sistema cheio de planilhas, índices, legislações, conteúdos a serem repassados? Ou ele/a é um agente para auxiliar os alunos a pensar logicamente, refletir, fugir dos conceitos do senso comum – no sentido de não se conformarem somente com eles como conceitos definitivos da realidade – e formarem uma mentalidade científica, capaz de formar uma sociedade capaz de responder às demandas tecnológicas contemporâneas?

Em primeiro lugar, devemos lembrar que a lógica do nosso tempo é a lógica capitalista. Esta mesma lógica, visando a otimização dos lucros e o aumento da produtividade, criou o processo produtivo conhecido como Toyotismo. Neste, o/a operário/a é polivalente, com capacidade para operar uma variedade de máquinas.

Em segundo lugar, aquilo que é o modo de produção de uma sociedade, acaba moldando sua forma de pensar, de agir e até de sentir (parafraseando Emile Durkheim ao descrever o Fato Social que, segundo ele, deveria ser o objeto de estudo da Sociologia).

Tomando como ponto de partida dessa discussão estas duas premissas, trava-se a seguinte discussão: o/a professor/a, além de catalisador/a do processo de aquisição de conhecimentos, é também um/a operário/a? Isto inclui, de imediato, as discussões sobre o Novo Ensino Médio, o qual leva professores/as especialistas em suas áreas a se aventurarem em ramos sobre os quais não têm o menor domínio: são professores/as de matemática ensinando sobre alimentação saudável – alguns, como eu, talvez nem saibam distinguir de forma científica uma proteína de uma vitamina – professores de filosofia e sociologia ensinando robótica, e por aí vai…

Para o capitalismo, como dizia Karl Marx em O Capital, o que importa é o lucro – o capital visa o lucro e o lucro incessante. A educação, para o Capital, é um instrumento de formação de mão-de-obra, de preferência especializada e, agora, polivalente.

O/a professor/a ainda goza de um certo prestígio na sociedade. Mas este prestígio não é acompanhado de uma remuneração compatível com um trabalho cada vez mais estressante. O/a professor/a é um profissional que começa a trabalhar antes do seu horário de expediente e, mesmo depois do expediente, leva trabalho para casa; muitas vezes, se tenta atribuir o fracasso escolar à atuação dos professores, embora nem sempre lhe sejam dadas as condições necessárias – nem falo mais de “condições ideais” – para realizar o seu trabalho.

O/a professor/a, além de ser tratado/a como um/a operário/a, é, também, um/a “sofressor/a”, aquele/a que sofre em função de tentar ver as coisas acontecerem apesar das dificuldades e contradições da educação no Brasil. Ele/a sofre também por perceber que a estrutura da educação é perversa: existem coisas simples e relativamente baratas que eliminariam problemas e estas não são implementadas, como, por exemplo, uma boa internet para alunos, professores/as e para as escolas. Boa parte da defasagem da aprendizagem durante a pandemia do Coronavírus se deve à ausência de internet em algumas regiões. E este é apenas um dos muitos itens!

A muito custo, os/as professores/as conseguiram conquistar um terço do seu horário para planejamento. Este terço de horário serviria para leitura, preparação de aulas, de avaliações, correções de trabalhos e provas e inserção das informações nos diários. Todavia o sistema confiscou 50 a 60% do horário para uso das escolas (60% no Ensino Fundamental e 50% no Ensino Médio) ou das Secretárias de Educação. Então, um/a professor/a de 40 horas semanais teria algo em torno de 13 horas e acabou ficando com metade disto! É como se o trabalho do/a professor/a fosse apenas entrar em uma sala de aula e desenvolver uma atividade mecânica (operária, fordista e toyotista) produzindo trabalhadores em série para entregar ao sistema. Como se não precisasse de um tempo de preparação.

Além disso, vimos discursos que negam aos alunos das classes menos favorecidas a possibilidade de ascensão intelectual, indo para a universidade, por exemplo. O ex-ministro de Educação Milton Ribeiro disse numa entrevista: “A universidade deveria, na verdade, ser para poucos…” (https://g1-globo-com.cdn.ampproject.org/v/s/g1.globo.com/google/amp/educacao/noticia/2021/08/10/ministro-da-educacao-defende-que-universidade-seja-para-poucos…). Num contexto onde a universidade é para poucos e a prioridade é para os cursos profissionalizantes, para que um/a professor/a-intelectual? Basta um/a professor/a-operário/a.

A elite brasileira, que controla o Estado, já provou para a sociedade brasileira seu ponto de vista: para a elite tudo, para os pobres, as migalhas. O discurso indignado do Ministro da Economia porque domésticas iam a Disney é paradigmático: pobre, neste país, só tem direito de trabalhar e pagar quase seis meses de seu salário em impostos para sustentar o luxo e o conforto das classes mais elevadas.

E como a educação pública tem, prioritariamente, como público-alvo os pobres, pode-se imaginar qual é o pensamento que vigora no planejamento da mesma.

  • Professor Luiz Marcos Silva, bacharel e licenciado em Ciências Sociais, Teologia, especialista em ensino de Sociologia e ensino Religioso, titular da rede pública de Educação do Município de Maravilha.